quarta-feira, 11 de setembro de 2013

Saí do carro com um pulo. Cheshire, finalmente.  Papai olhou para mim, com os olhos lacrimejando.
- Você tem certeza que quer ficar na Inglaterra? - Perguntou ele, apreensivo.
- Papai, eu não quero sumir daqui. Quero dizer, vocês vão para a Holanda. Eu nem sei falar holandês, e não vou aprender tão cedo. Eu posso ir para lá quando me formar. E o que de ruim pode acontecer? Meu irmão super responsável está cuidando de mim. - Falei, com ironia. Sean podia ser esforçado e preocupado comigo, mas ele era o tipo de pessoa que se distraía enquanto estava segurando um pitbull fêmea no cio e o deixava fugir. Acredite, aconteceu uma vez. Acho que exatamente por isso ele havia dado o cachorro para um amigo de meu pai. Sean estava casado há seis anos. Ele era bons dez anos mais velho do que eu.  Ele tinha um filho que fez um ano há dois meses, Nicholas, com Cassie, sua esposa.
- Eu vou sentir sua falta, Nicki. - Ele me abraçou.
- Ei ei ei, vamos parar por aqui. Se você exagerar eu não vou ter coragem de entrar em casa. - Falei. Sean havia levado minhas malas para o quarto.
- Então acho que vou fazer mais um draminha. - Riu papai.
- Vamos lá, Sr. Carey. A vida continua. - Exigi. Ele limpou uma lágrima e entrou no carro. Ele não era bom com despedidas, e eu muito menos. Me virei e entrei em casa. A lua já estava bem alta no céu. Já era quase nove horas.
- Oi, querida. - Me cumprimentou Cassie, com Nick no colo. - Olhe, me desculpe pedir isso logo que você chega, mas Sean está arrumando o seu quarto, e, bem, eu não posso deixar o Nick sozinho com ele. Você conhece seu irmão. Na segunda rua à direita tem uma padaria,poderia ir lá comprar leite para o Nick, por favor? O dinheiro está em cima da mesa, se apresse por favor, tenho medo de a padaria fechar...
- Ah. Claro. Eu vou lá. - Peguei o dinheiro e fui até a rua. Virei a direita e segui o caminho indicado até a tal padaria. Quando cheguei lá, havia um garoto fechando o portão.
- Com licença, a padaria é aqui? - Perguntei. Ele se levantou e sacudiu a poeira dos joelhos.
- É sim, mas eu acabei de fechar. Sinto muito. - Ele olhou para mim, sem me encarar. Mesmo com a luz escassa, era possível ver olhos verdes por baixo de seus cachos castanhos. Ele não era exatamente um deus grego, mas era bonitinho. Ele usava uma calça jeans larga e uma camiseta verde.
- Ah sim. Bem, eu preciso de comprar leite para o meu sobrinho, poderia me dizer onde eu conseguiria? - Pedi.
- À essa hora? Lugar nenhum. - Ele respondeu, seco.
- Qual é a sua?
- Desculpe?
- É pedir demais pedir para que você me diga onde eu posso comprar o leite?
- Ahn, me desculpe. - Pediu ele. Eu não estava exatamente brava. Ainda. - Me acompanhe por favor. - Pediu ele, trancando a loja e se virando.
- Eu sequer te conheço.
- Harry. Prazer. - Ele continuava seco.
- Nicole. - Me apresentei. Ele seguiu seu caminho.
- Não vai me seguir? - Perguntou ele.
- Quem me garante que você não vai me levar pra um canto escuro e me estuprar lá mesmo? - Inferi. Acho que estava sendo imprudente, mas a falta de educação do garoto me dava nos nervos.
- Eu garanto. Você vem ou não? - Ele não esperou resposta. Esperei um pouco até começar a segui-lo. - Você é nova aqui? - Perguntou ele.
- Se não fosse eu não perguntaria onde comprar leite. - Ataquei. Ele esboçou um sorrisinho. O suficiente para que aparecesse uma covinha em sua bochecha.
- Que idiotice a minha. - Andamos mudos por um minuto até que notei que estávamos voltando pelo caminho que vim. Ele parou na casa ao lado da minha. - Espere aqui fora, eu vou lá dentro pegar o leite.
- Ei, você é, tipo, meu vizinho? - Perguntei.
- Se você mora por aqui, sim. Quer entrar? - Convidou ele. Apareceu uma mulher na porta.
- Harry, você demorou hoje. - Falou ela.
- É porque alguém ficou me enchendo por causa de um raio de um leite.
- O mal educado é você, e a irritante sou eu? - Resmunguei.
- Então eu trouxe ela aqui para pegar a porcaria do leite. E descobri que ela é nossa vizinha. - Ele me ignorou. Rolei os olhos. Harry entrou e passou pela mulher sem nem olhar para ela direito.
- Me desculpe pelo Harry. Ele está chateado ultimamente. Gostaria de entrar e comer um lanche?
- Finalmente alguém gentil nessa cidade. - Brinquei. A mulher riu. - Você é a mãe dele?
- Sim, ele é meu filho mais novo. Gemma foi dormir na casa de uma amiga, então ele não está aqui. Venha, venha. - Chamou ela. - Ah, sou Anne, à propósito. É um prazer te conhecer.
- Sou Nicole, mas pode me chamar de Nicki, se quiser. - Ofereci. Ela falava macio, era bem simpática, ao contrário do filho. Ela puxou uma cadeira para mim enquanto ia até a cozinha pegar uma jarra da suco e um bolo. Cortei o bolo e o coloquei no pratinho.
- Então, Nicole... Ele só está triste por causa da irmã.
- Aconteceu algo com ela? - Perguntei, com medo de ter sido injusta.
- Bem, é aniversário dela semana que vem, e ele quer comprar um vestido pra ela, só que... Bem, o vestido é caro, e nós não podemos bancar algo assim. Ele vem juntando o dinheiro que ganha na padaria há um bom tempo, e ainda assim faltam quase duzentas pratas... Bem, desculpe, você não tem nada a ver...
- Mas que vestido é esse? - Perguntei, colocando o casaco sobre a cadeira.
- Ah, é de uma loja cara um pouco mais para o centro da cidade. - Terminei de comer o bolo. - Eu juro que não entendo por que ele quer tanto assim dar aquele vestido para ela. Quero dizer, ela gostou do vestido, mas...
- Cadê ele?
- Entrou no quarto. Segunda porta à direita. - Indicou ela. Quando entrei, ele estava sentado em uma escrivaninha, com algumas notas na mão e outras pousadas na mesa, contando o dinheiro.
- Eu não entendo, por mais que eujunte dinheiro e ganhe gorjetas ainda falta muito. - Lamentou ele.
- De quanto você precisa?
- Ei, quem te deixou entrar? - Xingou ele.
- Sua mãe.
- Então já pode sair. O leite está em cima da mesa da cozinha. - Ele me empurrou do quarto e fechou a porta atrás de mim. Anne apareceu.
  - Eu vou entender se você ficar brava, mas pegue leve, sim? Aqui. Tome o leite. Olhe, você é a vizinha, pode passar aqui quando quiser, ok? Volte sempre. - Ela sorriu e abriu a porta para mim. Saí e fui até a minha casa, ao lado. Sean estava com o telefonena mão, e meu celular começou a tocar.
- Ah, é você. Eu estava começando a ficar preocupado. Na verdade eu estava te ligando agora... Onde você estava?
- Casa do vizinho. - Expliquei.
- Mas já?
- É, ele resolveu me dar o leite. - Entreguei a caixinha.
- Cadê o seu casaco? - Perguntou Sean. Bati com a mão na testa.
- Porcaria, esqueci na casa do vizinho.
- Vá lá buscar amanhã. Já está tarde. - Disse ele. Assim que terminou, a campainha tocou. Olhei pelo olho mágico. Era o Harry, com meu casaco.
- Some daqui, Sean. - Mandei. Ele me olhou contrariado. - Eu te explico depois, sai daqui. Anda. - Empurrei ele até a porta e a fechei. Abri a porta.
- Você deixou seu casaco lá em casa. Eu iria entregar amanhã, mas... Minha mãe mandou eu trazer hoje. - Ele passou a manga da camisa no olho, e eu notei que estavam vermelhos.
- Harry, aconteceu alguma coisa? - Perguntei.
- Não. Não que te interesse.
- Pare de ser grosso. Você está na minha casa, agora. Faça o favor de ser educado. - Mandei. Ele fez menção de sair. Me apressei até a porta e a fechei.
- Eu já disse que não é nada. É sério.
- Fala logo. Eu não gosto de ver pessoas chorando.
- É... É injusto. Só isso. Eu trabalho naquela maldita padaria, e guardo cada tostão que posso, mas a porcaria do vestido ainda é caro demais pra mim. Eu quero dar o vestido para Gemma, ela amou o vestido quando viu pela loja, eu sei que ela quer, mas por que tem que ser difícil?
- Como é a Gemma? - Perguntei, curiosa.
- Ela deve ser do seu tamanho, mais ou menos. Passe lá em casa amanhã, ela deve estar. - Ele não queria falar da irmã. Não insisti.
- Harry, que tipo de vestido é tão caro assim?- Perguntei, mudando o assunto. Era mais para confortá-lo, porque minha mãe era dona de uma loja de roupas, então era bem normal que eu visse vestidos que custassem mais de quatro mil pratas na loja dela. Admito que eu tinha alguns, mas eu só os usava em ocasiões especiais.
- Esse. - Ele pegou o celular e me mandou uma foto. O vestido era estranhamente familiar.
- Onde vende? Deve ter alguma loja onde tem um parecido, mais barato...
- Não tem. Só naquela loja aqui perto. A Inner Dream. - Segurei a surpresa. Era justamente essa a loja de minha mãe.
- Ahn... Eu conheço essa loja. Realmente é cara. Quanto falta? - Perguntei.
- Quinhentos. - Chorou ele.
- Quanto tempo falta até o aniversário dela?
- Uma semana.
- Harry, por que você não pede para a sua mãe, ou seu pai, ou algum parente?
- Você acha que eu não tentei? Nós não somos ricos, Nicole. Tirar quinhentas Libras do bolso está além da nossa realidade. Olha, eu vou ser sincero. Você é nova aqui, deveria me agradar, sei lá, um presente de "espero que goste de mim". Mas está sendo ao contrário, você não está sendo legal, até agora só me deu problema. Sério. Eu vou para casa. - Ele foi até a porta. Me senti culpada. Chorar na frente de alguém que você acabou de conhecer realmente não é legal. Ele saiu sem me dar tchau, e nem o casaco. Peguei o telefone e liguei para mamãe.
- Alô? Mamãe? Tem um vestido que eu gostaria de usar para um baile que vai ter aqui semana que vem.